O gato pereba
Tive infância feliz, criado no mato urbano da floresta da tijuca, Rio de Janeiro. Minhas alegrias eram o jogo de bola, caçar passarinhos, soltar pipa e animais domésticos. Conheci os gatos e tive uma gatinha muito meiga que odorava ficar ao sol se esquentando, minha companheira. Nas ninhadas ela se escondia nos armários e no telhado da casa para ter os filhotes, sem antes mostrar o esconderijo para uns poucos escolhidos, minha Mãe era a primeira da lista e depois eu. Mamãe, como boa mãe, tinha sua tática maternal “Vamos deixar parir os filhotes e depois vamos trazê-los prá cestinha” Com carinho ela preparava um cesto bem forrado de panos e jornal, o novo leito da família de felinos estava pronto uma semana antes do parto. A gata ficava irrequieta, pesada, miava e nos levava para a “sala de parto” escolhida, deitava e se acalmava com um olhar feliz para os humanos escolhidos. No dia ela sumia, tinha seus filhotes e vinha nos mostrar, não sossegava enquanto não deitava em forma de “C” com os pequenos gatos tentando mamar naquelas tetas rosadas, era uma aventura penetrar no espaço entre as telhas e a madeira do forro para ver aquela cena de amor. Dias depois fazíamos a transferência da sala de parto para o quarto de visitas (o cestinho) e ficávamos curtindo os gatinhos já com pequeninos olhos abertos querendo sair do local e a orgulhosa mamãe com suas inesgotáveis lambidas mostrando fadiga e um pouco de irritação com a prole insaciável por leite. Essa era a minha Mimi.
Pereba, nome dado a um gato esguio e comprido que apareceu faminto lá por casa, gato de rua, desconfiado, vinha muito magro e a minha mãe teve pena, acolheu-o. Esse malandro de patas era malhado em cinza e branco, pernas compridas e de poucos afagos, nos via como vemos caminhões nas estradas “mantenha a distância”, chegava perto o mínimo para se abastecer e sumia. Já tínhamos a carinhosa mimi para os afagos e carinhos, Pereba não fazia falta... O nome veio de uma ferida que trazia na pata traseira, o batismo foi rápido “gato pereba” disse mamãe com pena do bichinho que mancava faminto. A ferida curou e o nome ficou Pereba.
Meu pai chegava tarde, e minha mãe sempre preparava uma boa comida, feita na hora para o provedor. Um dia ela comprou um filé mignon, limpou a carne, temperou e deixou sobre a bancada da cozinha, erro fatal! Gato pereba era escolado e não dispensava uma carne fresca, como um bom malandro, uma aventura e a boca livre. Mamãe foi na sala para ver o repórter Esso e quando voltou na cozinha a cena do crime estava montada: Um prato vazio e um rastro de sangue! Ela gritou “Perebaaaaaaaaaaaaaa”, corremos prá lá e vimo-la já indignada e arrependida de ter acolhido no sagrado seio do lar um gato safado. Declarou guerra: “Fechem as portas e as janelas da casa, vamos pegar esse traidor!” Eu, minha irmã e meu irmão menor foram à luta! Caçar Pereba. “““ ““A casa de dois andares era grande para um gato e fácil de se esconder, me lembro de ouvir um grito de mamãe “desgraçado” e em seguida um” pega ele “. Eu estava no gol ( o corredor dos quartos ) e me preparei para a defesa mais espetacular, de fazer inveja ao “ aranha negra “ o goleiro da seleção Russa, melhor do mundo! Amigos, já tentaram pegar um gato em fuga? Menino, foi o maior frango do afamado goleiro; a bola-gato passou por entre as pernas, quente e gorda, cheguei a apertá-lo na barriga e tentar um recurso extremo , segurar o rabo ! Que vexame, minha Mãe com uma vassoura na mão era, do outro lado do corredor, a torcida do meu querido Flamengo, animada, ela tinha um sorriso de campeã nos olhos e eu do outro lado postado, esperando o chute felino. Passei amigos esse vexame, um frangaço, no meio das pernas, só ficou uns pelos nos dedos e nada mais... Não era hora de chorar a derrota não, o campeonato não acabou, meu irmão Maurício também foi ludibriado e levou um “ come “ do maroto que desceu as escadas de treze degraus em um pulo só ! “ Corre “ disse mamãe, Conchita era a última esperança no andar térreo, ela nem viu a bola do jogo...
Ficamos tristes e na falta da emocionante caçada voltamos para ver a televisão, não qualquer, uma TELEFUNKEN! Alemã, pesada, de válvulas feitas, um armário disfarçado de TV. De repente o locutor deu uma notícia e soltou um gemido cavernoso “Miauuurrrrrrr” Não era nem grito nem miado, uma mistura de ronco de um fórmula 1 com o estridente grito em filme de Hitchcock. Minha mãe sorriu: “É ele, Pereba está dentro da televisão, Roberto desligue e vamos caçar o bicho!” Amigos, eu só entendia de mexer no macarrão da TV e colocar Bombril na antena, explico: O macarrão era um tubinho enrugado que servia para equilibrar a imagem na tela, naquele tempo os quadros teimavam e subir ou descer de acordo com o humor do alemão que projetou aquela estrovenga. Abrir a TV não era prá mim e mamãe sabia dos riscos, declarou “Amanhã seu Waldir cuida disso” Seu Waldir era o faz tudo, homem prendado, eletricista, bombeiro, mecânico e ainda motorista! O ídolo de minha mãe, depois de Chico Buarque e Fafá de Belém (nunca entendi o porquê minha mãe gostava dela...). Fomos dormir.
Dia seguinte eu estava prá lá de curioso, será que Pereba morreu? Diziam que as TVs operavam em alta voltagem, havia relatos de mortes para os desavisados que tentavam consertar domesticamente suas TVs e as válvulas aqueciam... Pensei, não há sobrevivente, sem chance para esse gato. Seu Waldir chegou e em dois tempos abriu o monstro nada viu “Dona Carminha liga a televisão, por favor,” Miaurrrrrrrrrrrrrrrrrr, de novo! O bicho estava vivo! Seu Waldir pescou um rabo e puxou para fora o monstro do lago Ness. O gato saiu mais arrepiado que porco espinho, olhos esbugalhados e com quase um metro! Quanto mais se puxava mais se espichava e crescia o gatuno, coisa de louco! Ele estava entre as válvulas e o tubo de imagem! Pereba nasceu de novo! Fugiu rápido como um raio! Passei bons tempos procurando Pereba no morro que ficava diante da casa, tinha pena do ladrão, eu era muito bobo mesmo... Aprendi a lição de que os gatos são muito resistentes e que tem sete vidas, porém posso afirmar: Pereba tinha oito!
Roberto Solano
sábado, 20 de novembro de 2010
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