Interpretação de um
Sonho
Era verão,
tempo de praia no Nordeste. A família do senhor de engenho tinha uma casa de
veraneio no litoral norte de Pernambuco. Como acorria todos os anos, ali se
reunia a família nos finais de semana. Manhã de domingo. A turma jovem ainda em pleno sono, a dona da
casa na cozinha providenciando o almoço. Na sala, sentados à mesa do café sogra
e genro conversavam animadamente, ele contando um sonho que tinha tido naquela
noite: “Sonhei que estávamos na casa de
minha mãe em plena cheia. Água para todo lado, a casa inundada e todos os
carros boiando no quintal, uma coisa danada.” Na década de 70 houve várias
inundações (cujo codinome no Recife é cheia) que atingiram a cidade do Recife e
outras no caminho do Capibaribe. Na capital de Pernambuco, muitos bairros
ficavam completamente alagados, as casas tomadas pela água imunda. Uma coisa
terrível mesmo, só resolvida com a construção de uma barragem muitos anos
depois. Pois bem, o narrador dava detalhes à sogra do seu sonho e ela ouvindo a
tudo bem atenta.
Semana
seguinte e todos na casa de praia novamente. O genro ansioso esperando a sogra
chegar para contar sua fracassada investida no mundo do jogo do bicho. Explico
a ansiedade, a sogra era jogadora contumaz, fazia fé na Loteria, jogava no
bicho, na Sena, etc e tal. O marido não gostava que ela jogasse, então ela se
valia do silêncio e cumplicidade do velho motorista da família. Estava
acostumada a ganhar de vez em quando, lembrando sempre de gratificar bem o seu
cúmplice.
Lá pelas 10h
a sogra chegou, trazendo sua alegria e muitos presentes para os netos, uma
festa! O genro ficou pensativo. Seria aniversário de alguém? O dia das crianças
já passou, o Natal nem chegou. Então qual seria o motivo de tantos presentes?
Beijinhos pra
lá, beijinhos pra cá, a criançada alvoroçada abrindo os presentes, o genro
chamou a sogra de lado e iniciaram o seguinte diálogo:
- Que tantos presentes são esses,
minha sogra?
- Você lembra do sonho que me contou, meu genro? Baseada nele,
eu joguei uma milhar certeira e tirei uma bolada boa. Deu até para o motorista
comprar uma geladeira nova!
- Como assim, sogra? Estava justamente esperando a senhora chegar
para contar que seguindo seu exemplo, joguei no bicho. Apostei na milhar de
todas as placas dos carros da família. Como resultado, fracasso total. Não acertei
nem no grupo! (No bicho, a mais baixa remuneração.) Não é possível! Eu joguei
na placa de todos os carros, de papai, de mamãe, dos meus irmãos, da minha
irmã, dos meus cunhados, no meu, no da minha mulher, de todos da família!
A senhora olhou pra o genro
frustrado e com seu jeito simpático lhe disse:
- Meu filho, venha comigo que vou
lhe explicar.
E segurando-lhe o braço,
conduziu-o até o local desejado. O bar. A casa era grande e embaixo da escada
que dava acesso aos quartos ficava o bar, elemento indispensável naquela casa
de praia. A sogra deu uma boa risada e
disse “No seu sonho os carros não estavam boiando na água da cheia? Então? O
que anda na água é lancha e não carro, meu querido!” E feliz apontou para um
objeto.
Pendurada na parede de trás do
balcão do bar estava a placa da lancha que havia caído há algum tempo e ficou
como decoração e naquele momento servia como comemoração!
E a velhinha matreira arrematou:
“Não basta sonhar meu genro. Tem que saber interpretar o sonho”.
Maria Elizabeth Heráclio do Rêgo Freire
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