O amor por um fio
Fato verídico, anos 70, tijuca, Rio de janeiro, RJ. Paulo, rapaz alegre e descontraído conheceu Paula no Méier, festinha de fim de semana, na casa da prima. Ele rapaz bonito e zona sul, descolado, bom paquerador, bom de beijos e abraços, família distinta, estudava no São Bento, menino de qualidades. Ela vinha de família tradicional, tijucana na base sólida de pais bem casados, apartamento próprio, carro novo na garagem, título do tijuca tênis clube, colégio Santa Marcelina, fina flor da zona norte.
Para lembrar: Não se ficava não! Os tempos (outros há muito já passados) eram de namoro sério, as festinhas sempre de família, com os penetras é claro, mas as meninas sempre acompanhadas de irmãos ou primos, beijo? Nem pensar colega! No máximo uma dancinha apertada, dropes no bolso para disfarçar a incomoda ereção, calça boca de sino, cabelos compridos e um amasso no escurinho da garagem (boate da época), uma cheiradinha no pescoço da moça, roçando nas coxas dela... Voltávamos prá casa feliz, ovos doendo, pegava um hot-dog na Praça Saens peña, ou um “rango” no centro, Angu do Gomes ! Quem provou sabe que é comida de substância, forte e vigorosa, mata a fome na hora e dá forças para a redenção dos pecados alcoólicos da época.
O amor é lindo! Paulo se encantou com a bela, pele clara, olhos infinitamente azuis, cabelos castanhos, umas sardinhas discretas no rosto, cara de pura e santa, prometia muito segredos entre aquelas coxas duras e roliças, se encantou. Ligou no dia seguinte, telefone preto no colo adolescente, esperando dar linha e pensando “vou marcar um cinema lá na praça, no domingo de tarde, acho que ela topa”. Ligou. Resposta positiva em parte, tinha que levar o pentelho do irmão da Paula, garoto chato, cara de babaca (toda irmã gostosa tem!), não era nerd, pois não havia o termo nos idos anos do tri-campeonato de futebol. O garoto era uma mistura de Gérson (lembram da lei?) com Tostão (os olhos meio vesgos), feio e idiota. Tudo tem seu preço...
Domingo, tarde quente, cine Odeon, filme bobo, um beijo roubado! O tri-campeão infantil foi comprar pipoca e ele não segurou a emoção de colar os lábios naquela tímida boca, sem antes mostrar a força de sua pegada naquelas coxas divinamente escondidas, quentes, na calça jeans (a mãe não deixou ir de saia, vai que rola uma mão boba...). O pinto duro como pedra pulsava na cueca e o coração na boca, chegou a ver o seio dela crescer na respiração forte quando sua língua atrevida alçou o céu da boca virginal. Amigos, tesão era isso, ver, apalpar e não comer o fruto do desejo ! E tome angu do Gomes com o famoso “cinco-contra-um” no banheiro frio. Paixão declarada, convite feito. A família marcou almoço dominical para selar o namoro nas bases pré-estabelecidas da cultura tijucana: Horário de chegada, vigilância de algum parente confiável, boas notas no São Bento! Minha filha não vai casar com qualquer um! Pai bravo, mãe calma. Vó surda, irmão pentelho, tio manguaça e tia metida a besta (toda na última moda, colecionava a revista cruzeiro e usava produtos Avon), mesa posta. Veio o arroz de forno, a carne assada que era o orgulho da mãe, uma salada para enfeitar o conjunto e Paulo na mesa, prato na frente, primeira garfada, queimou a língua, nada que tirasse o sabor do beijo concedido na noite anterior, no portão do prédio na Rua Conde de Bonfim (ele gostou do Bonfim, afinal queria evoluir naquelas coxas maravilhosas, já adivinhava a belezura que se escondia na calcinha de renda branca que viu por baixo da saia plissada de Paula), o amor chegou para ficar! Tinha certeza absoluta até que... Um ronco meio estranho na barriga, um frio nas costas, um aperto no fiofó, a lembrança de ter trocado o angu do Gomes pelo cachorro quente com aquele molho “especial” na porta do clube... É colega, a bomba ia explodir, a palavra era BANHEIRO, rápido, urgente. Dna Clara posso usar o “toalete?“ , não era” chique “ usar o banheiro, tinha o toalete , apertado cubículo aonde o amigo Paulo derramou seu problema, foi no estilo “ escola de samba “ veio tudo certinho e arrumado no começo mas acabou naquela esculhambação geral no final, na avenida. A obra de arte fedia muito, Paulo se preocupou com o vento que poderia soprar da janela basculante, levantou, limpou o traseiro, fechou a janela e puxou o fio da descarga. Merda, merda meus amigos, ele engoliu a palavra feia e segurou na mão aquela cordinha perdida e partida, branca como a pele de Paula, quebradinha na mão e o conjunto pastoso ali olhando marrom para ele. Paulo não era de fugir da briga, lembro que ele deu umas porradas no 68 (número do colega Beneditino, famoso pela cabeçada mortal), bom de briga! O Paulo tinha um pé grande e usava aqueles coturnos do exercito, no dia estava com um lindo pizante comprado na Casa Tavares (aquela do cachorrinho, que não foi com a cara do Paulo e era a mascote da família), bonito mesmo, relógio sicura no pulso, cigarro parliament no bolso. Subiu no vaso para a pescaria da salvação, um pé sobre a lousa fria, um impulso vertical e a mão na água fria da caixinha de descarga. ESCABUM... Desabou nosso herói com o sapato novo no balde de merda e fundo falso ! Meu Deus, que tragédia! O pé grande e preso,a carteira de cigarros americano por cima da bosta quente. Tentou puxar o pé, não saía!!!! Um terror baixou na pele morena do rapaz, olhou no espelho e viu seu rosto branco, pálido, um defunto de pé! No chão os respingos intestinais, nos olhos as lágrimas correram tímidas até romperem em desespero total quando ouviu a amada chamar (com o dedo tampando o nariz do odor insuportável que emanava do recinto lavatório). Paulo, amor, o que houve? Paulo mudo ficou até a chegada do porteiro, seu Zé, nordestino acostumado com a vida dura das palafitas, adentrou derrubando a porta e pisando na merda desentalou o gélido Paulo de Tarso...
Depois disso notei que o saudoso amigo estava mais calado na escola, triste até, chegou a levar uma cabeçada do 68 sem reagir. Conversei com ele, no recreio, ele se abriu... Tinha saudade da Paulinha e toda noite sonhava com ela nos seus braços, beijos loucos na boca, nos seios rosados, até visualizar os pêlos pubianos, lindos e suaves, cor de âmbar, e acordar de susto quando essa cor lembrava o Zé que lembrava o toalete que lembrava essa merda de vida!
Assim acabou-se um amor perfeito por um mísero fio de corda sanitária, na tijuca quente e elegante do meu tempo.
Roberto Solano
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
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