quinta-feira, 31 de março de 2011

Um anjo negro

Um anjo negro

Estava em Curaçao, viajando pela ilha em busca de praias, vendo a vegetação árida e algumas iguanas. Seguia para o norte da ilha a praia se chama “pequena Knip”, estradinha pequena e tortuosa, como devem se esconder os tesouros. Lá cheguei, dia de sol, algumas nuvens faziam o adorno do azul, pouco vento e olhei o que não se deve olhar sem sentir : o mar.
O mar, esse sim se fazia presente em vários tons de azul. Ao longo de uma areia muito branca ele brincava de verde, avançando em tons mais fortes até um profundo azul escuro, quase roxo que na linha do horizonte transferia seu trabalho de colorir a mundo para o céu. Todos esses azuis diversos me confundiam: uma mescla de azuis e brancos, areia e nuvens. Uma vontade louca de adentrar á água me invadiu, tirei as sandálias, a camisa e me lancei para aquele mundo desconhecido, que me atraía fortemente, como à fêmea atrai o macho no cio, cio esse de uma natureza exuberante. Corri.
Junto á água meu anjo avisou “Cuidado com as pedras!” Olhei prá frente e vi um ponto negro que se destacava no azul imenso, era ele, ou melhor, ELA. Mergulhei com o devido cuidado de não pisar nas pedras, flutuando fui me encontrar com o chamado sonoro que lá estava. Ela era uma menina, vestida com uma roupa branca que, com a cabeça do lado de fora d’água, desviava das poucas marolas que iam e vinham no mar quente e calmo do caribe. Fui até ela e notei um rosto redondo, com marcas africanas e um sorriso de dentes desiguais que de tão branco refletia o sol. Uns óculos me avisaram da deficiência visual, que, para aquele mar não incomodava a moça. Ela boiava. Olhou-me com uma expressão calma, feliz, de quem não se preocupava com o tempo, com as horas, com o mundo e suas amarguras, tristezas e infinitas dores. Só o mar e ela no mundo, apareci.
- Tudo bem?
- Tudo...
- Você vem aqui sempre?
- O mar é o melhor da ilha...
Calei-me, acho que não é hora de conversar. Olhei o mar transparente me abraçando, mergulhei para ver o jogo de luzes no fundo, passantes peixinhos, e percebi que aquele lugar era especial. Subi. Olhos salgados e meu anjo ali sorrindo. Um homem dormia o sono dos tristes, um chapéu na cabeça, um corpo sobre a madeira crua da mesa sombreada, a paz. Comecei a encarar uma realidade sem contas, sem referência, solta e leve, o prazer do nada junto com a infinita paisagem...

- Olá...
Acordei de meu sonho e vi minha companheira me chamando.
- Você nunca veio aqui?
- Não, a primeira vez...
- Venho sempre, é o melhor banho de mar da ilha, a praia vazia, não gosto dos pescadores...

O meu anjo se mostrava na forma mais pura, na solidão. Eu ali, procurando palavras, uma emoção me percorria. Estranhando a calma imensa, fui questionar a minha companheira sobre sua vida.

- Você estuda?
- Sim... Mas gosto do mar...
- Você fala espanhol?
- Sim, aqui na ilha falamos espanhol, inglês e Holandês

Ela riu do meu inglês falho, do meu espanhol torto e propôs “Quer aprender holandês?” Sim, disse , maravilhado com a alegria que brotava do rosto simples e do sorriso imenso...

- Bom dia é “Goede dag “

- Boa noite é “Goede nacht”

E nesse questionário fui tentando falar uma língua sonora e desconhecida. A cada palavra eu colhia uma linda gargalhada, meu anjo estava feliz, e como crianças eu perguntava as maiores besteiras, frases bobas, infantis... Rimos muito, uma alegria que só tive na mais tenra idade, na mais tola das brincadeiras, no melhor dos lugares, no paraíso da minha infância feliz, rindo com minha mãe, irmãos e amiguinhos, festas e alegrias, tempos idos e lindamente vividos, ali brotaram, no mar, novamente menino e bobinho, realizado.
O homem feito teve que sair do mar para seguir seu destino na ilha e seu caminho no mundo. Me despedi com mais um olhar fixo na menina negra e pura que me transportou para um outro mundo, com o sabor sempre amargo do adeus segui meu destino.
Naquele dia vi o mais lindo pôr do Sol de minha vida, estava calmo, orgulhoso de ser um previlegiado provador do mar, do céu, da ilha. Vi um anjo e não cobrei nada, só percebi que com a tolice se chega mais perto de Deus, e quem sabe ? Será que o homem que por lá dormia não era um Santo ? Ela me disse que não estava sózinha... Agora me lembro...

Roberto Solano

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