Pensando com as mãos
Hoje entendo que podemos pensar com as partes do corpo, mãos, pés, etc... Os pés são facilmente entendidos pelos jogadores de futebol, exemplo fácil, vamos para as mãos. Minha mãe era exímia cozinheira e pensava com as mãos no trato da carne, da galinha de cabidela, no sarapatel, bolos e doces. Via sua mão deslizar sobre texturas e até suportar o calor da mistura para aferir o “ponto”, uma maravilha de sentidos afinados no propósito maior: o sabor! Divino! Os pintores são assim, percebem o “tato” da tela, a grossura da tinta, a forma da forma na mistura louca dos tons e espessuras, veja o maior de todos: Van Gogh, o mestre da comunicação visual texturizada, sentimentos mesclados em cores e formas loucamente adestradas nas mãos, sempre mãos.
Agora vou para as tecnologias... Acabaram-se os desenhos, os cálculos manuais, as escrita suave da caneta Parker 51, o papel sendo rabiscado de ponta a ponta no projeto arquitetônico, parido no papel vegetal ou manteiga... Alguém sabe o que é um papel manteiga? Já trabalharam com o Nanquim e a maldita Gillette corretiva? É o mundo mudou na borracha eletrônica, no corte-e-cola dos computadores, tudo fácil e rápido. Pergunto: E o raciocínio lógico? E a forma dando luz na sua idéia, o desenho torto sendo visto no conteúdo lógico, as contas de “cantinho”? Eu tive a sorte de trabalhar com o grande Maestro da engenharia: Carlos Alberto Fragelli. Ele e sua prancheta, sempre de pé com seus amigos ao seu lado: Livros e mais livros, algumas revistas e o papel sendo riscado, desenhado com uma letra miúda escondendo segredos infindáveis de contas que só ele sabia decifrar, segredos da engenharia. Aprendi a desenhar na empresa PROJECTUM, a melhor de todas em sua época! Desenhar e respeitar o desenho como a extensão mais importante do teu EU: teu raciocínio! E da mensagem que ele traz para o executor, sim o construtor! Esse recebia os desenhos impecáveis dos grandes desenhistas, sob o comando do fabuloso Igrejas, obras de arte que até o Oscar Niemayer invejava, ele enviava um rabisco e a equipe da PROJECTUM enviava uma obra de arte em forma de curvas perfeitas, concordantes, fantásticas, me hipnotizavam esses desenhos. Fui estagiário e fiz muitas cubagens da Universidade da Argélia, fiquei dias tentando “ver” e compreender aquelas curvas doidas de paredes loucas do gênio maior da forma, e fazer daquilo um número de quantidade: o concreto! Sim o concreto armado me fez aprender a desenhar e sentir a engenharia pelas mãos, pelo tato e pela desconfiança: cada desenho tem seus segredos lindamente escondidos nos detalhes! Hoje o computador desenha em 3D, eu prefiro os desenhos em 3I (de Igrejas, o grande desenhista e revisor de formas), dou mais valor aos rabiscos do Fragelli, ou aos traços panorâmicos do Elfer, grande amigo e engenheiro de vários quilates. Os diagramas de momentos fletores sendo multiplicados em “ tripas “ de papel manteiga, o sentimento da estrutura na sua mão, ela ali nua e crua, percebida no seu íntimo misterioso... Saudades...
Pois é, estou velho e caminho com muita desconfiança sobre os números mágicos dos “software” que tentam simplificar o difícil, legal! Mas pensar como pensa a minha mão JAMAIS! Tô fora! Não dispenso a conta simples e a observação desconfiada e confiada no detalhe, no cantinho do papel se escondem os segredos da engenharia pura. Que Deus ilumine as mãos de nossos engenheiros em muito lápis, borracha e papel, manteiga ou não, de padaria, de jornal, qualquer um que deixa a marca do pensamento claro e límpido das mãos...
Poxa que saudades do doce de banana de minha mãe...
Roberto Solano
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
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