Afinal temos
conversado pouco
São os tempos modernos, os celulares, as
crianças, o chefe e a diarista apressada, o batom e o creme facial; sua
malhação e seus amigos do trabalho, seu amor pelo futebol e o maldito chope no
fim do dia: nossos relógios estão com problema de fuso horário, ou melhor: um
verdadeiro confuso horário. Trepadas homéricas, lembras? No carro, na escada do
prédio, onde não deveríamos e queríamos. Hoje não queremos e não devemos! Sexo
sem graça, computado em segundos de alívio carnal, pouca criatividade ou, como
disse o meu analista “sem queimar as expectativa do seu desejo animal”. Pausa
para pensar: que porra é isso? Saí de lá encucada, sou gente, sou animal ou o
meu desejo ficou racional?
Amor, querido, companheiro, estamos sendo dragados
pela vida, não há muita salvação, nesse mar repleto de refugiados fugindo do
terror da guerra estamos os dois na balsa, dentro do mediterrâneo, eu na ponta do
barco, e você lá atrás, com medo... Precisamos conversar... E muito! Discutir a relação? Vamos começar por não discutir?
Ouvir mais e falar menos. Ficaremos mudos, combinado? Tua palavra me fere como espada
medieval e minha língua é uma bala de fuzil. Então vamos combinar uma conversa
as cegas? Sem se olhar, costas coladas, mãos sem armas, só o tato do corpo, só
a vontade de ficar juntos sem cobrança, sem horário, sem compromisso. As
crianças ficarão bem acampadas na casa de mamãe ou na da tua, ou melhor, na
casa daquela tua amiga maluca que fuma um baseado na presença das filhas, elas
ficam tão calmas... Ela convidou para deixar as meninas lá. Que tal aceitar?
Você quer fumar um? Eu não gosto... Vamos viajar? Praia, ou acampar para
alimentar os famintos mosquitos? Ou simplesmente matar uma segunda feira sombria
e tomarmos todas no bar da esquina? Olhar nos olhos, contar piadas e quem sabe
conversar um pouco? Olhar o pra trás e comparar com o prá frente. Tens coragem
de se achar mais velho ? Terás olhos para as minhas rugas? Meu peito já um pouco
caído? Deixaremos a conta pendurada no bar do seu Manuel, gente boa, sei que você
gosta dele. Depois de conversar as besteiras que todos os bêbados falam no
começo da bebedeira eu te proponho (no estilo Roberto Carlos) a chorarmos juntos,
no começo da fossa alcoólica, e trocarmos lágrimas. Meus desejos serão pisados
pelos seus, e seus absurdos vão derrubar minhas verdades absolutas, tudo com
perdão, então choraremos muito! Hora de voltar pra casa, pedir uma pizza e
treparmos no sofá, tomar uma aspirina e dormir um pouco, acordar e ligar para
as meninas. Dor de cabeça, ressaca, arrependimento e uma enorme vontade vai renascer,
meu amor, aquela de conversar novamente; afinal minha querida temos conversado muito pouco...
Nenhum comentário:
Postar um comentário