A tarefa mais difícil
A tarefa mais difícil foi dizer que te amo
Tive que ser o que não sou
Aceitar minha coragem
Tímido, com duas vidas pra cuidar
A do coração voraz escondida
A da cabeça atrás do medo
Tudo tão difícil, tão insólito...
Pari as palavras
Sofri a dor do parto
Seus olhos no berçário do amor me viam
Com tal suavidade que sorriam
Um beijo se fez verdade
E na flor da minha idade
Nasci
Traços de loucura, um sorriso nos lábios
Cabelos soltos e rebeldes
Olhar absorvendo artes
Fala mansa e cadenciada
Rosto vermelho de rir
Pálido de chorar
Respirando alegria
Suspirando amores
Cantando blues com lágrimas nos olhos
Sambando como louco
Assim que te quero
Conversa com o espelho 🪞
Sempre usei o espelho
Nunca conversei com ele
Talvez por medo
Sempre me vi no espelho
Uma imagem tão minha...
Que me acomodei
Quem é você? Indaguei
Tua ilusão, respondeu a imagem
Você sou eu, disse ríspido
Você não sabe nem quem és, ela respondeu
Atrevida! Gritei
Ingênuo!
A resposta doeu...
Como saber quem sou? Perguntei
Quebre o espelho 🪞, disse a imagem
São 7 anos de azar, respondi
Então tenha sorte até a tua morte
E quando você descobrir que nunca se viu
Aí sim, seu espelho, dentro de ti se partiu
O Rio de Janeiro não se define
Não é traço, não é escultura
Suas curvas invadem retinas
Despudoradamente apaixona
Pedras sólidas se banham
Montanhas escalando o céu
Cores indefinidas bailam
Em nuvens inquietas
Pintores se deslumbram
Fotógrafos não acham o ângulo melhor
O Rio não se define
Se vive
Foto de Luiz Bhering
O maior silêncio
O maior silêncio é o da madrugada
Aquele que os outros usam pra dormir
E você acordado escuta
O maior silêncio é o que ouvimos
Aquele tão profundo que incomoda
Aquele que está dentro de nós
Na noite você acorda com o grito calado
Com a voz da escuridão muda
Com só um coração pulsando: o teu
O silêncio das almas perdidas
Onde a dúvida se sente bem
Onde a certeza nem chega perto
É nesse silêncio absoluto que você não se acha
Só sente o que não quer sentir
O vazio imenso do existir
Rua Barão da torre
Lá na Barão da torre havia uma esquina
Na Farme de Amoedo
Um bar e uma escada comprida
Lá em cima uma família
Uma varanda enorme trazia brisas do mar
Passarinhos e a poesia
Ipanema dos loucos, artistas, mar azul
Azul maior de uma vida melhor
O sabor do tudo sonhar
Da comida de mamãe
De amigos
Lá Vinícius viu ela
Eu vi muitas
Jobim musicou
Eu sonhei acordado
Ipanema, mar, praia, cinema
Ipanema que tinha um coração
Por nome Barão de uma torre
Ipanema
Quando a vida é um equilíbrio perfeito
Desconfie
Ou é sorte demais ou arte
Quando pedras sobre pedras conversam
O vento, se existe, ignora
Desconfie
Quando a perfeição fica nua na sua frente
A paixão explode o coração
Ame sem medo
A linha de equilíbrio do amor não existe
É torta e invisível
Viva sem questionar
Ame, só assim a perfeição vai perdurar
Quando
Quando te vi algo paralisou meu coração
Quando peguei sua mão ele aqueceu
Quando te beijei acelerou
Quando te perdi um frio me adentrou
Quando entendi o vazio o nada pesou
Quando aceitei o mundo encolheu
Quando vou ser você?
E quando, ao ser você
Vou me esquecer?
O que é o certo? Perguntei pro Errado
Ele ficou calado
O que é o errado?
Perguntei pro Certo
Ele sempre responde
O errado é quem não me vê
Errar é humano e eu sou certo
Sobre humano
O Certo olhou pro Errado
O Errado não vê o certo
E o Certo acertou bem no olho do Errado
Brigaram
Até hoje não se sabe se o Certo está errado
Ou, se o Errado está certo
Nunca mais eles se encontraram
Por isso a humanidade está assim
Sem saber se está certa ou errada
Perdida
Se Deus escreve certo por linhas tortas eu escrevo errado com linhas harmônicas e perfeitas.
Plano de vôo
No início é dar a volta no ninho
Depois sonhar olhando o céu
Asas crescendo sem penas
Medo de voar
Depois é voar sem plano
Sem rumo, sem compromisso
Amar
E lá vem os ventos do contra
As tempestades, os tombos
A volta do medo
Agora voar não é plano
Viver no plano
Satisfaz
Sá Juvita já está com as dô
Nos anos 70 eu morava em Ipanema, um sonho que só quem viveu pode avaliar: praia com o píer, liberdade, juventude e felicidade Jobiniana. Lá fui feliz em terras litorâneas até que meu pai faliu sua empresa e fomos morar no Alto da Boa Vista, lugar mais frio e isolado, os mosquitos eram meus companheiros. Meu pai, um amante da boa música, convidou o Quinteto Violado que vinha de Pernambuco para mostrar a música nordestina em novo formato. Uma beleza de conjunto com músicos de excelente qualidade. Lá, naquela casa, eles bebiam e comiam bem ( minha mãe fazia os almoços de domingo) e éramos brindados pelo repertório nordestino do Quinteto. Levei meus amigos pra ver, no meio deles o Antônio Castro. A música mais interessante era um cordel que contava a história do " Parto de Sá Juvita", uma jovem esposa de um bravo coronel do sertão. Resumindo: dterminada hora a esposa do coronel sente que o rebento está pra rebentar (como diria Chico Buarque) e o coronel chama Tonho:
" Tonho, sele essa bestinha malhada e risque pois Sá Juvita está com as dô" e respirando pesado e aflito faz a ameaça " olhe Tonho, eu vou cuspir no chão e tu tem que vortar antes do cuspe secar". Urgência é urgência! E lá partiu Tonho em busca da parteira. Cabra bom e rápido demais, fez o serviço mas o menino encruou... E tome reza, aperta daqui, respira fundo de lá e nada... Então a solução foi dada por Tonho: " vamos rezar a reza de Santo Antônio pequenino " todos seguiram em voz alta " Santo Antônio pequenino, amansador de burro bravo, fazei nascer esse menino com mil e quinhentos diabos". Nasceu, nasceu!!!
O choro veio " cuêmmm, cuêmmm". O coronel pegou a garrucha e lá no lado de fora gritou" nasceu o filho do coronel Antônio Brito, cabra macho, podem ver os documentinhos dele, é roxo ". E tome alegria.
Assim começou uma amizade de mais de 40 anos com o Antônio de hoje, tão astuto quanto o Antônio da música. Quando ele se ia se atrasar eu dizia " eu vou cuspir no chão, vice Tonho, tu tem que voltar antes do cuspe secar ". Ele sorria. Nunca deixou de voltar a tempo. Hoje já não pertence mais ao nosso mundo e deixa uma saudade imensa em meu coração. Siga meu amigo, montado na sua bestinha malhada e risque, para um mundo onde não há pressa, só paz.
Bebi-te inteira
Foi paixão louca
Arrebatadora
Tive-a nas mãos
Senti suas curvas
Enlouqueci
Beijos em taças
Ora carmim, ora rubi
Boca sedenta
Sonhei como Baco
Mulher vinho
Te amei
Não se cobra sentimentos
Sentimento não é moeda
Não tem peso nem medida
Não se cobra sentimentos
Sentimento é o supra-sumo da liberdade
Quase uma utopia
Solto
Não se cobra sentimentos
Tenha ele como sua alma
Ninguém a vê
Só você sente
Não se cobra sentimentos
Então respire fundo
Ame, desame e odeie
Sem limites, até o final
Olhar desviado
Quantos olhares foram desviados?
Quantos amores mal nasceram?
Quantos beijos evaporaram?
Perguntas sem respostas...
Sonhos voláteis
Imaginação
O seria a vida sem a imaginação?
Talvez um olhar desviado
Ou, quem sabe, um viver pálido
Sem sabor, sem emoção
Passos vazios
Sigo caminhando com passos vazios
Amigos ficando pelo caminho
A firmeza do pisar vai mudando
Passos vazios
Na trilha da vida uns escapam
Outros seguem sem rumo
E eu, em passos vazios, sem meu companheiro
Piso fraco, piso frouxo, piso meus passos vazios
Tonho
Antônio Francisco no documento, Tonho no coração. Na vida seguiu seus ideais com firmeza, fez família e amigos, e um irmão extra : eu. Homem de pouco falar e muito fazer, dono de uma generosidade calada, um carinho mudo, sempre presente. Sabia, como poucos, a arte do viver bem, escolhia sempre o melhor e tinha classe. Era, sobretudo, objetivo, tinha o dom de decidir na hora certa. Inteligência e orgulho andavam de mãos dadas. Um observador nato e conselheiro dos bons. Sorte tive de entender um pouco seus defeitos e desfrutar das qualidades. Construiu uma linda família, um bom filho, um bom pai, excelente marido. Meu bom amigo, vá pra outra dimensão, aqui ficamos com seus ensinamentos e sobretudo cheios de saudades. Nos veremos mais tarde, com uma cerveja no copo, um abraço apertado, lá no campo verde dos amigos eternos. Ao te ver direi " Agora digue Tonho " e ouvirei seu sonoro " Simmmmm! "
Te encontro amanhã
Te encontro amanhã
Não nesse amanhã simplório
Não nesse despertar solar
Lá, no amanhã completo
"Amanhã será outro dia"
Cantou Chico Buarque
Mas
Lá não teremos amanhã
Nem dias
Só a leveza da eternidade
Te verei amanhã
No abraço que se funde
Dentro de um olhar único
No amanhã das almas
E, principalmente
No amanhã do desejo
De te rever
O certo e o errado
A mentira e a verdade
O certo encontrou a verdade
A conversa durou pouco
Nada pra falar, tudo pra concordar
O errado encontrou a mentira
Conversa nenhuma, só abraços
Tudo pra comemorar
No final todos na mesa do bar
Para beber, rir e chorar
Como os homens fazem
Pra sobreviver sem amar
Descobri a Verdade escondida
Lá, bem atrás da mentira
Calada e quieta, tímida
A verdade não gosta de aparecer
Conversei com ela
É chata e direta
Radical e incontestável
Não é agradável
Perguntei à Mentira
Por que você esconde ela
A resposta veio rápida
Pra salvar a humanidade!
Tive de concordar
E pedi licença para me retirar
